"Os poderosos podem matar uma, duas ou três rosas,
mas jamais conseguirão deter a primavera inteira". Com essa frase
profética de Ernesto Che Guevara, anunciamos que - até que enfim! - foi marcado
o início do julgamento do mandante do crime que resultou no massacre de cinco
sem terras, no Acampamento Terra Prometida, no município de Felisburgo, que
fica no Vale do Jequitinhonha, uma das regiões mais empobrecidas do Brasil (mas
Vale do esplendor de cultura popular), onde há muito imperavam, sem oposição, apenas
os interesses e o poder dos grandes fazendeiros.
Dia 20 de novembro de 2004, dia de Zumbi dos Palmares, dia
da Consciência Negra, cerca de quinze jagunços, liderados pelo fazendeiro e
empresário Adriano Chafik Luedy, invadiram o Acampamento Terra Prometida, do
MST, assassinaram covardemente Iraguiar Ferreira da Silva (23 anos), Miguel
José dos Santos (56 anos), Francisco Nascimento Rocha (72 anos), Juvenal Jorge
da Silva (65 anos) e Joaquim José dos Santos (49 anos). Todos os tiros foram à
queima roupa. Feriram outras 20 pessoas sem-terra, das quais uma era criança de
apenas 12 anos que levou um tiro no olho. Atearam fogo no acampamento,
reduzindo a cinzas 65 barracas, inclusive a barraca da escola, onde 51 adultos
faziam, todas as noites, o curso de alfabetização.
Os trabalhadores sem terra do acampamento Terra Prometida
vinham recebendo ameaças há mais de dois anos, desde o dia 1º de maio de 2002,
quando ocuparam o latifúndio, que é, parcialmente, de terras devolutas ainda
não arrecadadas pelo Estado. Inúmeros Boletins de Ocorrência foram registrados
na delegacia local. A Comissão Pastoral da Terra (CPT), em 24/09/2004, fez uma
representação junto à Secretaria de Segurança Pública, alertando que oito
jagunços estavam há dois dias dentro do acampamento, mas as autoridades não
tomaram as medidas para evitar o massacre.
Estes fatos ganharam repercussão nacional e internacional,
mas não são isolados. Eles se inserem no bojo dos 112 conflitos agrários no
estado de Minas Gerais, registrados pela CPT em 2004. Estes conflitos, além dos
nove assassinatos acontecidos em Minas Gerais, foram responsáveis por 32
tentativas de assassinato, 27 ameaças de morte, 24 torturas, 75 prisões e 56
feridos. Em 25/11/2004, a CPT de Minas entregou ao governo do estado e à
Assembléia Legislativa de Minas Gerais um dossiê denunciando a existência de
milícias armadas atormentando a vida dos sem terras acampados no estado. A
CPT/MG também registrou 26 ataques de jagunços a acampamentos nos anos de
2003 e 2004.
Adriano Chafik, réu confesso, responde o processo em liberdade. Foi
preso duas vezes, mas conseguiu habeas corpus e saiu da prisão. Outros
pistoleiros denunciados pelo Ministério Público de Minas Gerais estão soltos ou
foragidos, um já morreu. Nenhuma família foi indenizada até agora. Em 21 de
fevereiro de 2007, a
sede da Fazenda Nova Alegria foi ocupada pelos sem terra que resistem lá até
hoje. A justiça não concedeu reintegração de posse da sede da fazenda a Adriano
Chafik em vista de estar pendente o julgamento da Ação Discriminatória das
terras devolutas. O gado que existia na fazenda – 1763 cabeças – foi retirado,
sob “escolta” da polícia militar.
Os vaqueiros também foram retirados, o que fez diminuir as
ameaças sobre os sem terras. No memorial construído no cemitério da cidade de
Felisburgo, há uma grande inscrição que diz: "Aqui foram sepultados os sem
terras Francisco, Iraguiar, Manoel, Joaquim e Miguel, covardemente assassinados
a mando do fazendeiro Adriano Chafik, dia 20/11/2004. Eles tombaram, mas a
sangue deles circula nas nossas artérias e nós seguiremos lutando por reforma
agrária, por justiça social e dignidade. Essa era a luta deles e é nossa
luta".
Os companheiras assumiram o compromisso, imortalizado na
frase inscrita do lado esquerdo do memorial. "Nós caminharemos por vocês
na busca dos seus sonhos que também são os nossos sonhos: a terra, a justiça e
a dignidade". O memorial guarda a triste lembrança do dia em que o
fazendeiro Adriano Chafik comandou o Massacre de Felisburgo.
Em 20/11/2005, na celebração de 1 ano do massacre de
Felisburgo, uma série de testemunhos deixou todos os presentes com o coração na
mão. O sem terra Jorge Batista da Silva, um dos marcados para morrer naquele
dia, deu o seu testemunho: "Iraguiar, antes de ser assassinado, me disse:
'Jorge, sai fora, porque vão matar você'. Quando vi o tanto de armas, tentei
animar os companheiros a dialogar com os pistoleiros, mas tive que correr para
não ser morto também. Fugi para procurar socorro. Andei uns oito quilômetros
pelo mato até um vilarejo, onde pude telefonar para avisar aos companheiros da
cidade de Jequitinhonha e de Belo Horizonte. Nós não queremos guerra. Queremos
terra, pois sabemos plantar".
Jorge José Maria Martins, um sobrevivente que levou um
tiro na perna, disse: "Enquanto a gente tentava levantar um companheiro
que tombava, os pistoleiros matavam outros. Após fugir para não morrer, olhei
para trás e vi uma nuvem de fumaça cobrindo o acampamento que ardia em chamas. Nunca vou
esquecer isso. Doeu muito e continua doendo!".
A sem terra Eni enfatizou: "Antes da chegada do MST
em Felisburgo, os pobres sempre se curvavam diante do poder dos fazendeiros. O
massacre foi premeditado. As armas foram compradas antes e os coronéis diziam
que o massacre não aconteceria antes da eleição para não atrapalhar a política
e o candidato apoiado por eles, ou seja, um massacre não ficaria bem". O
inquérito policial comprovou que as armas foram compradas antes. Os jagunços
Francisco de Assis Rodrigues de Oliveira (quintinha), Milton Francisco de Souza
(pé de foice), Aurelino Caetano Chaves, Antonio Marcos Santos da Conceição,
Jailton Santos Guimarães, Erisvaldo Pólvora de Oliveira Junior, Hamilton
Santos, Domingos Ramos de Oliveira, Aleildo dos Santos Oliveira, Washington
Agostinho da Silva, Evandilson Santos Souza e Antonio Jose Nascimento dos
Santos, todos jagunços contratados e participantes do massacre, sendo que
muitos deles foram escondidos por outras pessoas cúmplices que residem na
cidade de Felisburgo.
Ainda existem crianças sem terrinha que acordam, à noite,
sobressaltadas, desesperadas e gritando, pois ficaram traumatizadas com a
barbárie da violência vista: cinco sem terras assassinados e o acampamento em
chamas.
Ainda no ato público do primeiro ano do massacre ouvimos
justas denúncias e reivindicações do MST: "Cadê a indenização dos nossos
barracos e pertences queimados? O governo federal indeniza os fazendeiros que
perderam vacas com a aftosa, mas não nos indeniza. A Polícia Militar de
Felisburgo está do lado dos fazendeiros, os protege. A PM continua pressionando
os sem terras. O Bastião foi quem cortou a cerca e colocou o gado dentro das
nossas roças, minutos após o massacre, e ele participou diretamente do
massacre. Por que ele não está preso? Infelizmente, foi preciso correr o sangue
dos companheiros para conquistarmos 568 hectares de terra
devoluta, sendo que a constituição, em seu art. 188, diz que as terras
devolutas devem ser repassadas para a Reforma Agrária. Estamos aguardando a
desapropriação de toda a fazenda do Adriano Chafik. O acampamento quer saber se
é proibido fazer uma estrada de acesso ao acampamento. O prefeito não faz a
estrada alegando que não pode passar na fazenda de Adriano Chafik. Vamos ficar
ilhados até quando? Apenas dois jagunços e o mandante Adriano Chafik foram
presos e liberados sem julgamento. Exigimos das polícias Federal e Militar a
prisão imediata de todos os 15 jagunços. Queremos o desaforamento do julgamento
para Belo Horizonte, pois em Jequitinhonha, os fazendeiros controlam até o
poder judiciário. O relatório da CPI da Terra condenou a UDR e pede que a
Polícia Federal crie uma força tarefa para capturar 29 mandantes de crimes
contra os sem terras".
No dia 20/11/2009, no cemitério de Felisburgo, na
celebração do quinto ano do Massacre, a emoção foi grande. Muitos choraram. As
viúvas e os sobreviventes do massacre de Felisburgo sentiram, mais uma vez, uma
espada de dor atravessando o coração deles. Graziele, de 11 anos, entre
lágrimas desabafou: "Todos os dias sinto uma grande dor no coração, pois
perdi meu pai (Joaquim), perdi meu tio Miguel) e perdi meu cunhado (Iraguiar).
Todos nesse covarde massacre. Eu só peço justiça!" Eis a dor que o
latifúndio e o coronelismo causam.
Mas, na entrada da ex-fazenda havia uma placa
"Fazenda Nova Alegria" que foi derrubada e no lugar foi colocada uma
placa com a inscrição "Assentamento Terra Prometida".
O presidente Lula desapropriou a fazenda por agressão
ambiental, mas o INCRA não pôde mover o processo de imissão na posse para as
dezenas de famílias Sem Terra que lá resistem há dez anos, porque o Poder
Judiciário suspendeu o processo de desapropriação. Mas o MST jamais vai abrir
mão dessa terra que foi molhada com o sangue dos mártires de Felisburgo. A sede
da ex-fazenda deverá se transformar em uma Escola Família
Agrícola. O pré-assentamento Terra Prometida já está produzindo 80% das
verduras e legumes, e muito feijão, que abastece a feira da cidade de
Felisburgo aos sábados.
Custou sangue, mas a Fazenda Nova Alegria está sendo
conquistada. Lutaremos até depois de ver o mandante Adriano Chafik e todos os
jagunços julgados e condenados. Lutaremos até depois que a Reforma Agrária no
Brasil seja uma realidade. Esse massacre foi conseqüência da ausência de
reforma agrária no Brasil. Assim também cometem crimes os governos que não
cumprem a Constituição e negam terra e dignidade aos sem-terra.
Eis, abaixo, links de alguns vídeos que estão na internet,
no youtube, vídeos que revelam a verdade nua e crua sobre o Massacre de
Felisburgo.
Massacre de Felisburgo 1:
Massacre de Felisburgo 2:
Massacre de Felisburgo, feito pelo italiano Antonio Luppo: