Ele morreu de câncer. Com suas mãos, transformava barro em peça de arte, trazendo visibilidade ao artesanato mineiro.
Uma semana antes de morrer, dona Izabel, a bonequeira mais famosa de Minas Gerais, estava baqueada, sentindo muitas dores devido a um câncer no intestino. Mesmo assim, continuava fazendo o que mais lhe dava prazer: modelar o barro, assá-lo em fornos de argila e transformá-lo em obra de arte. A artista, de 90 anos, não resistiu à doença, diagnosticada há apenas três meses, e morreu ontem no hospital de Santana do Araçuaí, distrito de Ponto dos Volantes, no Vale do Jequitinhonha. O enterro está marcado para hoje, no cemitério local.
“O câncer estava muito avançado. O médico não recomendou nem operar. Infelizmente, não tinha mais jeito. Ela ainda estava conversando, mas piorou na segunda-feira. As dores eram tão fortes que nem com a morfina estava dando conta”, informou a neta da artista, a ceramista Andreia Pereira de Andrade.
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Dona Izabel e suas bonecas de barro: trabalho admirado por colecionadores e especialistas
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A neta espera que a obra da avó continue a ser valorizada e que seu legado se perpetue. “Como parte da família e como aprendiz de sua arte, só tenho a agradecer. Mais do que nunca, temos que mostrar o trabalho dela. Minha avó divulgou Santana do Araçuaí e o Vale do Jequitinhonha para o Brasil e o mundo. Sua obra vai ficar, é isso que importa”, destaca.
Admiradora do trabalho de dona Izabel, a colecionadora Priscila Freire, ex-diretora do Museu de Arte da Pampulha (MAP), considera a ceramista figura “quase mitológica”, hors concours das artes. A especialista lembra que Izabel ganhou o Prêmio Unesco de Artesanato para a América Latina (2004), entre outras condecorações.
Legado
de Dona Izabel
“Aquelas
bonecas são de uma importância única. Inconfundíveis, parecem
rainhas, santas de altar”, afirma Priscila Freire. Para a
ex-diretora do MAP, a artista criou uma cerâmica contemporânea –
fugiu do barroco, mas dentro de moldes modernos. “Sem falar que ela
deixou um legado não só dentro da própria família, pois a filha e
a neta seguem seus passos, mas alavancou todo o artesanato de barro
do Vale. Foi pioneira. Tenho várias peças dela. É enorme a alegria
de olhar para as bonecas, especificamente para a que batizei de
Nefertiti Brasileira. Definitivamente, dona Izabel deixa herança de
muita qualidade e um trabalho belíssimo, reconhecido nacionalmente e
internacionalmente”, enfatiza.
A produtora cultural Maria Amélia Dorneles, que também coleciona obras da artista, conhece a família de Izabel há mais de 30 anos. “Ela é a grande bonequeira do país, marcante para a história da arte popular em Minas Gerais. Temos peças maravilhosas dela espalhadas por alguns museus de BH e do estado. Aquelas bonecas realmente têm a cara das mulheres do Vale”, comenta.
Maria
Amélia destaca a importância de dona Izabel como mestra. “Ela
nunca se negou a passar o seu conhecimento para ninguém. Muito pelo
contrário”, conclui.
Do Vale para o mundo
Izabel
Mendes da Cunha nasceu em 3 de agosto de 1924, na comunidade rural de
Córrego Novo, no Vale do Jequitinhonha. Filha de paneleiras que
vendiam utilitários de barro, fazia bonecas de barro para brincar,
escondida da mãe. Autodidata, sempre modelou rostos com feições
mais sérias. As famosas bonecas, que começaram a ser criadas nos
anos 1970, têm origem em moringas de barro cujas tampas eram
cabeças.
As
peças se tornaram populares graças à Comissão de Desenvolvimento
do Vale do Jequitinhonha, que comprava o artesanato local para
revenda, e a um colecionador francês, que levava as bonecas para sua
galeria, em São Paulo.
Em
2003, as bonecas de dona Izabel foram parar na São Paulo Fashion
Week, quando o estilista Ronaldo Fraga homenageou as ceramistas do
Vale do Jequitinhonha. Mãe de quatro filhos, ela recebeu vários
prêmios, como o Unesco de Artesanato para a América Latina (2004),
a Ordem do Mérito Cultural (concedida pelo Ministério da Cultura,
2005) e o Prêmio Culturas Populares (Ministério da Cultura, 2009).
Dona
Izabel foi também homenageada pela presidente Dilma Rousseff durante
a abertura da exposição Mulheres artistas e brasileiras, no Palácio
do Planalto, em Brasília.
Via Estado de Minas
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