Em Chapada do Norte, no Jequitinhonha, onde negros e
pardos são 91,1% da população, a renda dos artesãos quadruplicou.
O faturamento do artesão Zé do Ponto passou de R$ 500 para R$ 2 mil
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Euclides da Cunha (BA) e Chapada do Norte (MG) – A vida de Zé do Ponto,
apelido do artesão José Sebastião Vaz, de 64 anos, mudou bastante em dois anos.
“E como mudou para melhor!”, conta esse senhor, cujo apelido veio da época em
que vendia cafezinho num ponto de ônibus em Chapada do Norte, no Vale do Jequitinhonha,
a 430 quilômetros
de Belo Horizonte. Em 2012, sua renda média girava em torno de R$ 500 mensais.
Atualmente, ele leva para casa cerca de R$ 2 mil. O salto no faturamento lhe
permitiu financiar uma moto zero quilômetro (R$ 7,4 mil) e comprar, à vista,
uma televisão de tela plana (R$ 1,1 mil) e uma geladeira nova (R$ 1,2 mil).
“Adquiri também um lote na cidade (R$ 12 mil)”. A melhoria de vida de Zé do
Ponto retrata o aumento da participação dos afrodescendentes no mercado de
trabalho, na renda média brasileira, na educação e em outras áreas que são o
foco da série “A real abolição”, publicada desde ontem pelo Estado de
Minas.
Chapada do Norte lidera o ranking de cidades mineiras com
o maior percentual de população negra. Lá, segundo o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), 91,1% dos pouco mais de 15 mil habitantes são
pardos ou pretos. O lugarejo começou a surgir no século 18, em decorrência da
descoberta de ouro no Rio Capivari. Com a escassez do metal na região e a
abolição da escravidão, muitos escravos permaneceram no então povoado. Para se
ter ideia, Chapada do Norte é também a cidade mineira com o maior número de
comunidades quilombolas: 14 grupos.
Muitos dos moradores da região são artesãos, como Zé do Ponto. A vida dele e de outras 24 pessoas começou a mudar, há alguns anos, quando se uniram e fundaram a associação Arca. Com a ajuda de alguns parceiros, como o Sebrae, participaram de cursos para melhorar a produção de bancos feitos de madeira e couro. “Aprendemos a calcular o custo e o lucro, recebemos ensinamentos de como negociar com fornecedores e compradores e participamos de cursos para aproveitar melhor a madeira e o couro.”
Muitos dos moradores da região são artesãos, como Zé do Ponto. A vida dele e de outras 24 pessoas começou a mudar, há alguns anos, quando se uniram e fundaram a associação Arca. Com a ajuda de alguns parceiros, como o Sebrae, participaram de cursos para melhorar a produção de bancos feitos de madeira e couro. “Aprendemos a calcular o custo e o lucro, recebemos ensinamentos de como negociar com fornecedores e compradores e participamos de cursos para aproveitar melhor a madeira e o couro.”
O grande diferencial do grupo foi começar a participar de feiras em Belo Horizonte e outras praças. Resultado: representantes de redes varejistas de médio e grande portes conheceram os bancos e fecharam contratos com os artesãos. Agora, eles vendem para empresas como o Depósito Santa Fé, com quatro endereços em São Paulo, e o Balaio Artesanato, com sede no Rio de Janeiro. Nos próximos dias, devem fechar contrato com a Tok & Stok, presente em vários estados brasileiros.
“Eles encomendaram 300 bancos por mês”, conta, com orgulho, Zé do Ponto, para, em seguida, pensar alto: “Minha renda média, que em um ano passou de R$ 500 para R$ 2 mil, deve melhorar ainda mais”. Vários estudos, aliás, mostram que a renda média da população negra aumenta num ritmo mais acelerado do que a da branca. Um dos mais recentes, elaborado pelo Laboratório de Análises Econômicas, Históricas, Sociais e Estatísticas das Relações Raciais (Laeser), um instituto ligado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), apurou que de julho de
DESVALORIZAÇÃO Apesar disso, os pardos e pretos ainda recebem um valor médio absoluto menor do que o dos brancos. Veja: a alta de 0,2% elevou a cifra dos brancos para R$ R$ 2.268,01. Já o crescimento de 5,2% dos negros fez com que seu rendimento médio atingisse R$ 1.345,69. Esses valores levam em conta tanto o rendimento de empreendedores quanto o de empregados. Levando-se em conta apenas o grupo de empreendedores de micro e pequenas empresas, o Sebrae apurou que de
R$ 1.039.
Entre os brancos, o percentual foi menor, de 37%, mas o valor absoluto foi maior, de R$ 1.477 para R$ 2.019. É bom frisar que o estudo do Sebrae tem como ano base 2011. O do Laeser, 2013. O gerente da unidade de Gestão Estratégica do Sebrae Nacional, Pio Crotizo, avalia que disparidade entre o salário médio de negros e brancos ainda é uma consequência histórica da desigualdade racial no país. Ele argumenta, no entanto, que essa diferença caiu significativamente na última década.
“Essa diferença do rendimento vem diminuindo. Trata-se de um processo histórico. Não é uma mudança que ocorre rapidamente. Embora a situação não seja de igualdade, a evolução é enorme. Além disso, é importante destacar que o país cria condições para que eles (os afrodescendentes) sejam donos do próprio negócio”, completa Pio. Ainda assim, há empreendedores que nem sequer conseguem metade da quantia estimada pelo Sebrae ou pelo Laeser.
É o caso de outro José, o Zé Paixão, de Euclides da Cunha, no sertão da Bahia, região marcada por extensas faixas de terra com mandacarus. Na cidade que homenageia o autor do clássico Os sertões, José da Paixão, de 50, garimpa clientes com uma pesada caixa de papelão nos ombros. “São CDs e DVDs. As vendas estão fracas, porque a concorrência é grande”, disse ele enquanto tentava uma carona para a vizinha Monte Santo, onde conversaria com um rapaz que o convidou para se mudar para São Paulo.
“Estou seriamente pensando em ir-me embora. Lá no sul, acredito, vou ter melhor condição de vencer na vida. Sou desquitado e tenho uma filha de um ano. Minha menina, embora eu seja negro, é branquinha, branquinha. Puxou a mãe, sabe? Terei de levá-la comigo, porque minha ex-esposa se juntou com um cabra e ele a mandou escolher: ele ou a menina. Ela escolheu o rapaz. Para a menina não ficar jogada por aqui, vou carregá-la comigo”.
Por Paulo Henrique
Lobato, do Estado de Minas
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