Esta foto foi tirada da torre, quiçá dos fundos do pedrado
lateral da Igreja de Nossa Senhora do Amparo, por volta ou um pouquinho antes
do meio-dia (observe que as pessoas estão quase que pisando em suas próprias
sombras). As colchas nas janelas costumam, em nossa cidade, ser estendidas em
procissões como Corpus Christi. Mas não se trata de procissão, dado ao fato de
que as pessoas não estão em
fila. Além do mais, as procissões costumam acontecer em fins
de tarde, nunca ao meio-dia. Como as pessoas fotografadas sobem a antiga Rua do
Rosário (ex-Marechal Deodoro, atual Av. Valdemar César Santos), é provável que
se trate de um Reinado (Reisado), quando o rei ou a rainha do Rosário, ou ambos
são levados à Igreja. O aglomerado no início do cortejo parece com o de
um Reinado. Mas as “levadas” de reis à igreja ocorrem pela manhã. Percebe-se
que as muitas mulheres estão com seus véus à cabeça, o que pode descartar a
tese de tratar-se de um “reinado”, parte da Festa de Nossa Senhora do Rosário
dos Homens Pretos de Minas Novas sabidamente profana.
Foto 1918.
Fonte: Album Picasa Marcelo Wilton
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Também milita contra a tese de um reinado, o fato de o
comércio, no momento da foto, estar com as portas fechadas, sem animais
amarrados em frente, como era comum! Festa Cívica também não é, em razão dos
mesmos véus! Seria um enterro? Acho que não, pois, a confirmar a data 1918, ou
anterior a ela, é de se considerar que o cemitério ainda não havia sido
construído pelo Padre Ayala. Antes dele, as pessoas eram enterradas nas
Igrejas. Lembro-me de túmulos no piso da Igreja do Rosário, o que poderia levar
à convicção de que o séquito da foto conduzia alguém para ser enterrado ali.
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Mas o vestir das pessoas, sobretudo a profusão de trajes
brancos, bem assim a quantidade de subintes, não se coadunam com um enterro de
algum Irmão do Rosário, sobretudo à época em que a Irmandade certamente era
integrada quase que exclusivamente por negros pobres (os brancos eram
enterrados na Matriz de São Pedro, à época existente, ou na Igreja de São
Francisco; os pardos, na Igreja do Amparo). Percebe-se que os homens se
concentram em frente (pela quantidade de guarda-chuvas pretos). Como havia
Banda de Música à época, é de se estranhar a sua ausência, se bem que em frente
à casa de meus avós é possível divisar a silhueta de algo parecido com a campa
de um baixo-tuba.
Seria a levada do cofre? Ela era feita em marcha muito
ligeira (marche-marche). Note-se, bem perto da igreja, uma fila provavelmente
só de homens. Talvez isso explica o fato de as mulheres terem ficado para trás!
Quando me dei por gente, isto por volta de 1959-60, a Rua do Rosário possuía
fisionomia parecida com a estampada na foto. As árvores são as mesmas de minha
infância. Apresentando poucas folhas, pode-se afirmar que a foto foi batida na
estação seca, junho por exemplo). A terceira casa, à direita de quem
sobe, era de meu bisavô Juvenato Coelho, que não conheci. Meu avô Durval, que
morava ali, casou-se certamente em data próxima à foto, já que meu pai, José
Geraldo Coelho, nasceu em 1922. Em minha infância, acima da casa de meus avós,
morava Angelino (pai de Tião de Angelino), mais acima Zé Egídio e Loura, depois
Wilson e Dóia, a Loja de Leopoldo, a casa de Dona Neide e Lau de Dodó, a casa
de Sá Dona Ana, a de Tião de Angelino, a de Sá Maria Remunda, a de Olavo já na
esquina; a nossa não aparece na foto, mas fazia divisa com a de Olavo. Ao lado
esquerdo, o Comércio de Zé Camargos, a casa de Frade, a de Edgar Pereira,
seguida de Jovina, Margarida Alacoque, Tia Maria Jesus, Luquinhas de Lucas, Zé
Camargos, Mané Mocinha, Ioiô de Edgar, Ana Baú, Joãozinho de Adelaide, Tião
Brandão, Mestre Roxo, Pedro Cirilo, Maria de Araújo...
Foto nos tempos de hoje
(sentido contrário à primeira fotografia). Fonte: Facebook professora Irene Sena |
Quem foi o fotógrafo? Se ele se deu ao trabalho de subir à
torre da igreja para bater a foto, não seria razoável supor que ele bateu
outras poses, principalmente quando o cortejo estava no Largo do Amparo ou
espremido em frente ao Sobrado de nosso tio Cônego Barreiros? Tal foto, se de
fato foi tirada, retrataria as pessoas de frente e não todas de costas, como
sucede com esta... É bem verdade que as chapas fotográficas eram escassas e
exigiam um tempo bem maior entre uma e outra, para que fossem trocadas...
Desconfio de que o fotografo foi Capitão, pai de Luiz Leite, ou algum chegado
dos Badarós em visita à cidade.
Observe-se que as casas já eram bem antigas, coincidindo
com a tese de que a Minas Novas de então (1918), bem assim a que comecei a ver
em 1960, foi totalmente construída num curto espaço de tempo (entre 1727 e
talvez uns dez anos após). O esgotamento do ouro de aluvião foi rápido e quase
todos os garimpeiros se mandaram de lá, rumo a outras minas, sobretudo as de
Goiás e Mato Grosso. Em
meu Dicionário de Fanadês, falo que por volta de 1960 ainda
havia casas vazias e sem donos legais. Além do mais, o problema se agravou
quando os Badarós expulsaram de Minas Novas, por volta do ano da foto, muitos
adversários políticos, os quais também colaboraram para o aumento de
residências vazias.
É de se espantar na foto com o elevado número de mulheres
(roupas e sobrinhas brancas, saias pretas para as viúvas), em relação ao dos
homens (guarda-chuvas pretos).
A rua fotografada era também conhecida como Rua de Cima,
iniciada nos fundos a Igreja do Amparo e seguindo não mais do que cinquenta
metros, nos fundos da Igreja do Rosário. A parte nobre da cidade ficava no
“Miolo” ou Rua do Meio, onde se localizava a Matriz de São Pedro, o Sobradão, a
Câmara, a Cadeia, repartições públicas, comércio. A Rua de Baixo, iniciada
abaixo do Largo das Cavalhadas, em torno da Igreja de São Gonçalo, por ser
residência dos desbravadores, certamente foi a que mais se despovoou, quando de
sua debandada.
Meus ancestrais, exceto os Ferreira Coelho (residentes no
Rosário ou na Fazenda da Bandeira Grande), moravam nas ruas do meio: Barreiros,
Cunha, Mota, Oliveira, Costa, Miranda, Pinheiro, Sena e Chagas, bem assim
parentes tortos como Camargos e Cristianismo. O pai da minha avó Maria Sena
Mota era Elias Leon (ou Leão), um aventureiro espanhol. Já o pai de meu bisavô
Domingos de Oliveira era o Cônego Napoleão Figueiró, de modo que eu poderia ser
Carlos Domingos Mota Coelho Barreiros da Cunha Jobarcun Oliveira Costa de
Miranda Pinheiro Sena Chagas Leon y Figueiró, sem contar apelidos de índios e
negros também meus ancestrais.
Fonte: Blog Lorotas & Marmotas - de Carlos Mota, de Minas Novas
1 comentários:
Como disse nosso hino E o estrelário do azul se descerra
Para o nosso ideal sobre-humano
Constelar de áureas gemas a terra,
Como um céu refletido no oceano,
Recompõe-se o painel do passado.
Sementeiras de luz sobre o anil...
Minas novas é o sol altanado
Doura os claros heróis do brasil!Saudade da minha terra...........
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