Ele chegou ao
interior de São Paulo em 1987, apenas três anos após o chamado Levante de
Guariba, movimento de boias-frias que resultou na melhoria das condições
enfrentadas nas lavouras de cana-de-açúcar.
Enfrentou tempos difíceis
nos canaviais de Guariba (a 337
km de São Paulo) e de cidades vizinhas, como Pontal e
Pradópolis, como trabalhar sem registro em carteira, sem banheiro no campo e
sem ao menos um lugar à sombra para descansar durante a jornada diária. Mas diz
não se arrepender.
Aos 48 anos, Valdomiro
Rodrigues ainda atua no corte da cana. É um dos poucos a persistir na atividade
na macrorregião de Ribeirão Preto, que a cada ano emprega menos nas lavouras
paulistas, devido ao avanço da mecanização.
Natural de Minas Novas,
cidade de 30 mil habitantes no Vale do Jequitinhonha (MG), ele não se arrepende
porque, graças à cana, comprou quatro casas em Guariba. Mora em uma delas e
aluga as outras três –”pequeninas”, segundo ele–, que lhe rendem pouco mais de
R$ 1.000 mensais.
O valor se soma aos
cerca de R$ 1.000 que recebe por semana trabalhada durante o plantio da cana.
Mas não é sempre que tem serviço.
“Muita coisa mudou. As
condições de trabalho melhoraram bastante, mas, por outro lado, muitas usinas
fecharam devido à crise e muitas pessoas ficaram desempregadas. Não são todos
que sabem trabalhar com máquinas”, disse ele.
A maioria dos
migrantes que chegou à região com ele na década de 80 foi embora, por não
aguentar a extensa jornada de trabalho. “Não reclamo da cana, ela me deu o que
tenho. Mas não é para todos.”
Como ele, Expedito
Juarez da Silva, 48, deixou Alagoas em 2003 em busca de uma vida melhor. Viajou
com o amigo Marcos Soares da Silva, 35, para Dobrada, cidade também da região
de Ribeirão Preto.
“As usinas que
existiam no Nordeste foram fechando ou não pagavam direito. Achamos emprego
aqui e aqui estamos, apesar das dificuldades”, disse Expedito.
O principal problema
do campo hoje, segundo ele, é a baixa oferta de emprego. “Usinas que empregavam
mais de 20 equipes hoje têm três ou quatro”, disse.
Por causa da redução,
nem sempre Francisco Mariano, 43, consegue trabalho nas lavouras de cana. Pernambucano,
desde o ano 2000 deixa seu Estado para trabalhar na safra em Dobrada.
Mas nos últimos anos a
rotina foi alterada, com o avanço das colheitadeiras de cana. “Está muito ruim
de serviço”, afirmou.
MUDANÇAS SOCIAIS
Sem novos migrantes,
acabaram também os enormes alojamentos que abrigavam trabalhadores rurais nas
fazendas e o foco da Pastoral do Migrante mudou.
Após trabalhar 26 anos
com migrantes em cidades como Dobrada e Guariba, além de Fernandópolis, a irmã
Inês Facioli foi transferida para a capital do Estado, para atender imigrantes
bolivianos, paraguaios e peruanos.
Além dela, padres que
atuavam em Guariba foram transferidos para outras regiões.
“Mudou o foco da
Pastoral do Migrante. A imigração hoje é mais forte. Quem migra no próprio país
se sente mais seguro, mais perto da família. Já quem vem de outro país tem
insegurança, medo, fora a questão de documentação, o receio de se sentir
irregular. Em comum há o desejo de uma vida melhor”, disse a religiosa.
O trabalho da
pastoral, muitas vezes, era feito nos alojamentos mantidos pelas usinas de
açúcar e etanol para os migrantes. Esses locais também foram desativados com o
avanço da mecanização.
A usina Bonfim, em
Guariba, chegou a ter 14 alojamentos em 1983, no auge da migração, com
capacidade média de 400 pessoas cada um. Hoje não tem nenhum em operação.
Esses migrantes
passaram a atuar em outros setores, segundo a pastoral e a socióloga Maria
Aparecida de Moraes Silva, como a citricultura, a construção civil e os frigoríficos.
“Em Fernandópolis,
muitos atuaram na ampliação de uma rodovia e, depois, na construção de um
conjunto habitacional”, disse Facioli.
Por Marcelo Toledo, da Folha de São Paulo
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